Apontamento diarístico no meu moleskine, no Domingo de Ramos de 2018, no Café New York, em Budapeste:

Depois de atravessar uma passagem subterrânea onde pernoitam dezenas de sem-abrigos, chego ao Café New York, um espaço que empalidece o parisiense Le Procope, o portenho Tortoni, ou o foyer do Palau de la Música Catalana, em Barcelona. O melhor café tomo-o de pé no romano Sant’Eustachio, mas — como espaço — este New York é incomparável.
Para George Steiner, “a Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa” [‘A Ideia de Europa’, Lisboa, Gradiva, 2005, p. 28].
Mas as coisas mudaram. Já não há húngaros no New York. Aqui já não descansa o ‘flâneur’, o ‘boulevardier’ local. Na verdade, há muito que Pessoa não se reúne com os seus no Martinho da Arcada, nem o séquito de Pascoaes se senta na mesa do fundo d’A Brasileira do Chiado. Já não há poetas, nem outros diletantes, nem gangsters, nem aristocratas, nem mulheres fatais. Já não há o esplendor do autóctone, nem da idiossincrasia. Só há turistas, com o guia de viagem entalado entre o tampo da mesa e o iPhone. Sinais dos tempos. Estes turistas são idênticos aos que estão neste preciso momento no portuense Majestic. E aqui eu sou como eles. Desgraçadamente. E isso apouca-me diante da minha própria imagem… apesar de escrever no meu moleskine aquilo que poderia ser um lenitivo para esta incurável solidão, uma solidão que a companhia não dissipa e que a saudade de um passado que não é meu deixa em carne viva.
O que eu daria para que se fumasse ainda no New York, para que aqui se escrevessem poemas ou se discutissem questiúnculas como a imortalidade da alma ou o contrato social. Como seria bom que o café tivesse qualidade e que não predominassem sobre as mesas faustos pequenos-almoços em tabuleiros epiléticos. O que eu daria para que aqui húngaros falassem húngaro e eu os percebesse à força de os conhecer e lhes dedicar intimidade.
Só duas coisas me distinguem destes turistas: bebo café e escrevo esta espécie de desabafo. Em tudo o resto somos desgraçadamente idênticos: procuramos uma experiência momentaneamente exótica, uma fotografia que partilhemos numa rede social e que nos devolva a consciência ingénua de um sentimento de pertença.
Por estar a ocupar a mesa com apenas um café, os empregados pressionam-me… há outros turistas à espera junto à porta. Budapeste é, assim, igual a tantos outros lugares do mundo: é cada vez mais mundo e cada vez menos um lugar.